Compromisso básico na adoração - Parte 1
28/09/2015 | 2330 views | 0 views
Preparado especialmente pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho, para um encontro com músicos e interessados na música sacra, na PIB do Rio de Janeiro, dia 17.10.9
Foi Sócrates quem disse: "Se queres conversar comigo, define tuas palavras". E dizia meu mestre, Dr. Purim, nos tempos áureos do Seminário do Sul: "Bem, bem, vamos definir os termos". Evitarei, no entanto, as definições de dicionários. Elas manifestam, como citação, pobreza de conteúdo. Mas definirei do que falaremos.
Por compromisso, entendo um envolvimento responsável, que leva a firmar posições duradouras. Até aqui, tudo tranqüilo. Por adoração não me refiro a entretenimento espiritual ou a um momento de cânticos. Adoração e louvor têm sido dimensionados em alguns segmentos como cantar corinhos e tocar instrumentos em alto volume, em ambiente agitado, enquanto algumas pessoas se exibem, e outras as coadjuvam, embevecidas. Mas o que queremos dizer com "adoração"?
UMA DEFINIÇÃO DE ADORAÇÃO
Cito uma observação de Bruce Shelley, respeitado teólogo americano, a quem tive o privilégio de receber em minha, casa em Brasília. Começo por este comentário:
A adoração é ato da igreja reunida em que louvor e honra são dirigidos a Deus pelos seus dons preciosos a seu povo em Jesus Cristo e através dele. A chave da verdadeira adoração não é o homem, mas Deus. O Deus da Bíblia revelou-se de tal maneira a nós que a natureza do culto cristão é determinada pelo seu caráter. [1]
A esta definição de Shelley ajunto outra, curta, de Martin: "Adorar a Deus é atribuir a ele um valor supremo, porque somente ele é digno" [2].
Aparentemente, elas primam pela obviedade, mas nos ajudam a firmar uma posição. Com elas, o foco é posto em Deus e não no homem. Muito da chamada adoração contemporânea não é para Deus, mas para o homem. Os sentimentos humanos são supervalorizados e a ênfase fica em como as pessoas podem ser alcançadas. Assim, dá-se espaço para luzes, fumaça, gestual, encenação, dançarinas de hula-hula evangélicas, etc. O culto é avaliado em como ele nos impactou, e o que produziu de sentimentos em nós. Passamos a ser o parâmetro do culto. Mas o alvo da adoração é Deus.
O propósito da adoração não é fazer-nos sentir coisas, experimentar sensações nem produzir emoções em nós. Seu propósito é levar-nos a uma reflexão sobre os atos de Deus, seu amor, sua graça. Isto quer dizer que a adoração deve nos levar a uma séria reflexão sobre os atributos e atos de Deus. E ele deve ser exaltado no discurso de adoração.
Deixem-me tentar esclarecer um pouco mais. Em meu livro Teologia dos salmos [3], ao tratar da classificação dos salmos, entre os seus tipos, mencionei os salmos de louvor e os de adoração. Sobre o primeiro tipo, comentei que salmos de louvor são os que tratam do prazer de estar na casa do Senhor, com ele. São salmos que tratam do culto comunitário, e parecem aludir ao culto público, no templo. Dei como exemplo os salmos 24, 84, 100, 116 e 122. Sobre o segundo tipo, comentei que salmos de adoração são aqueles que exaltam a pessoa de Deus e exaltam seu nome e caráter. Sua linha teológica é mostrar o relacionamento adequado com ele. Dei como exemplo os salmos 29, 87, 103, 107, 114, 136 e 150.
Chamo sua atenção para o fato de que embora os salmos de louvor possam ser vistos como mais pessoais, o foco continua sendo Deus. Ele é o centro do culto. C. S. Lewis observou:
O bom calçado é aquele que você não nota. A boa leitura torna-se possível quando você não precisa pensar conscientemente sobre os olhos, a luz, a impressão, a pronúncia. O culto perfeito seria aquele que passasse praticamente despercebido; nossa atenção estaria voltada para Deus. [4]
Em outras palavras, a verdadeira adoração e o culto autêntico devem nos levar a ter Deus como o mais importante. A forma e as pessoas que conduzem o momento deveriam ser simplesmente esquecidas. Quando pessoas aparecem mais que Deus alguma coisa saiu errada. Quando circunstâncias que devem ser secundárias se tornam o principal, algo saiu errado. O culto e a adoração são para Deus, não para nosso bem-estar ou para a projeção de alguma pessoa. Dou um exemplo bem singelo. Há cantores que me chamam a atenção para si com suas roupas, sua gesticulação, seu desempenho. E há Feliciano Amaral. Ouvi-o cantar na última assembléia da Convenção Batista Brasileira, em Brasília. Fiquei comovido e chorei com os hinos por ele apresentados. Ele simplesmente desaparecia, apesar de ter bom porte físico. E Deus brilhava com suas mensagens musicais. Dou outro exemplo, e agora como pregador. Quando escuto Russel Shedd pregar, vejo o ensino riquíssimo da Bíblia, e não o Dr. Shedd. É isto que quero dizer.
POR QUE ADORAR A DEUS?
Volto ao meu livro Teologia dos salmos. No capítulo "O culto", alistei os três motivos mais comuns pelos quais Deus deve ser adorado, conforme o saltério. São eles: (1) O caráter e a natureza de Deus; (2) Sua ação redentora na história, bem como a libertação do fiel, como indivíduo; (3) A necessidade humana de Deus. Em outras palavras: quem ele é, o que ele fez e nossa necessidade.
Adoramos a Deus porque temos necessidade de adorá-lo. Relembramos seu caráter e sua natureza, que são motivos de segurança para nós. Relembramos sua ação redentora pela igreja e por nós, como indivíduos, em momentos de aflição. E levamos a ele a nossa necessidade existencial de um ser maior que nós, Ele, e nossas necessidades pessoais.
A adoração deve ser vista como expressão de um relacionamento com o Divino, e não como recitação de fórmulas estereotipadas. Assim como devemos evitar engessar o relacionamento com Deus em uma liturgia tida como tradicional, devemos evitar engessar o relacionamento com ele em uma forma litúrgica denominada "livre". Porque a alegada ausência de fórmulas nada mais é que uma fórmula. Uma fórmula bagunçada e desorganizada, mas uma fórmula. Porque se repete, é sempre a mesma desordem. Não é a questão de fórmulas litúrgicas, mas se trata de um sentimento, de um ato de fé.
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BIBLIOGRAFIA
COELHO FILHO, Isaltino. Teologia dos salmos. Rio de Janeiro: JUERP, 2000.
LEWIS. C. S. Letters to Malcolm. N. York: Hartcourth, 1964.
MARTIN, Al. O que há de errado com a pregação de hoje? S. Paulo: Editora Fiel, s/d.
MARTIN, Ralph. Adoração na igreja primitiva. S. Paulo: Edições Vida Nova, 1982.
SHELLEY, Bruce. A igreja: o povo de Deus. S. Paulo: Edições Vida Nova, 1984.
WIERSBE, Warren. A crise de integridade. Miami: Editora Vida, s/d.
Fonte: www.isaltino.com.br/2009/10/compromisso-basico-na-adoracao